domingo, 8 de janeiro de 2017

A História do Mergulho - Jacues-Yves Cousteau

(IN: Cousteau, Jaques-Yves. O Mundo dos Oceanos) 

"Os seres humanos estão prestes a voltar ao mar, como alguns mamíferos fizeram há poucos milhões de anos, para se tornarem focas, toninhas e baleias? Na ausência de drásticas mutações anatômicas e fisiológicas, é bastante improvável. Nossa silhueta, membros, pulmões, coração, veias e artérias; nossa gordura e fígado; nossos rins, pele, sangue - tudo teria de ser modificado de maneira radical para que pudéssemos ficar submersos por semanas ou meses a fio, sem morrer de exposição ao frio, sem perder a pele ou ser compelido a voltar com uma freqüência excessiva à superfície em busca de ar. Apesar da recente popularidade das atividades do mergulho, não há qualquer indicação de que no grande esquema de evolução os homens estejam programados para se tomar criaturas marinhas.” “Contudo, à sua maneira, que é artificial, o homem está preparando seu retorno ao mar.” 



“Compensa a falta de gordura isolante pelo desenvolvimento de melhores trajes de mergulho. Empenha-se para aperfeiçoar os equipamentos de respiração e compreender a fisiologia do mergulho. Já passou um mês inteiro em colônias submarinas. É o proprietário orgulhoso e usuário de dezenas de submersíveis de exploração, já desceu em batiscafos além das profundezas alcançadas pelos cachalotes. O homem não pode voar. E não pode mergulhar muito bem. Mas conquistou o ar, a lua e a mais profunda fossa oceânica.” “Os esforços do homem para penetrar no elemento estranho que acalentou seus ancestrais remontam aos tempos mais antigos. Em portos do leste do mediterrâneo, nas águas quentes do golfo Pérsico e Oceano Índico, em ilhas dispersas do Pacífico, até mesmo nas águas geladas da Terra do Fogo, o homem já mergulhava antes mesmo que houvesse escribas registrando seus feitos. Esses mergulhadores primitivos eram ao mesmo tempo práticos e místicos. Das águas misteriosas traziam alimentos e tesouros, além de histórias fantásticas que mantiveram viva a mitologia - pérolas, corais e histórias de monstros, esponjas e lendas de sereias.” “Através do conhecimento empírico, esses pioneiros aperfeiçoaram o mergulho nu, alcançando profundidades de 50 a 65 metros, em mergulhos que duravam dois minutos, ás vezes mais. As técnicas eram transmitidas de geração a geração. Foi somente no começo do século XX que a tecnologia e a ciência puderam melhorar esses métodos e desenvolver o equipamento 4 necessário para abrir todo um mundo novo ao homem. O progresso no mergulho foi veloz e coincidiu com as explosões, demográfica e industrial.” "Os primeiros mergulhos efetuados por homens ou seus ancestrais antropóides foram provavelmente em busca de alimento. 
No começo eles recolhiam ostras ou mariscos na maré baixa, depois entraram no mar e foram se aventurando cada vez mais fundo. Mais tarde, as conchas passaram a ser usadas também como decoração. Figuram entre os artefatos mais antigos encontrados pelos arqueólogos. Já em 4500 a.C. havia mergulhadores recolhendo madrepérola, como se pode comprovar pelos ornamentos nas paredes de Bismaya.” “As façanhas mais bem registradas são as mediterrâneas, onde os gregos recolheram esponjas desde tempos imemoriais. Aristóteles descreveu o valor de esponjas a soldados que a usavam para amortecer as armaduras pesadas.” “No século V a.C. dois famosos mergulhadores da antigüidade, Sília de Sione e sua filha Ciana, mergulharam para cortar os cabos das âncoras dos navios de guerra do rei persa Xerxes. Houve uma terrível tempestade, os navios encalharam e afundaram. Sília e Ciana tornaram a mergulhar para saquear os destroços.” “Durante o sítio de Alexandre o Grande à Ilha-fortaleza de Tiro, em 332 a.C. Os mergulhadores foram usados para destruir as defesas submersas dos fenícios. Alexandre teria observado a operação, submergido num barril de vidro ou sino de mergulho.” “As japonesas figuram entre as mulheres mais liberadas do mundo em tudo que se relaciona com o mar. As mergulhadoras amas operam na Coréia e Japão há pelo menos 1.500 anos. Já foram pescadoras de pérolas, mas hoje as
trinta mil praticantes mergulham quase exclusivamente em busca de alimentos. No passado, ambos os sexos empenhavam-se no mergulho, mas hoje bem poucos homens praticam essa arte. Como as mulheres possuem camadas adicionais de gordura por de baixo da pele, que as protegem dos efeitos da água fria, os homens em sua maioria ficam relegados ao papel de ajudá-las, tripulando os barcos.” “Talvez mais importante do que a diferença fisiológica, no entanto, seja o treinamento que as mulheres recebem. Podem começar quando estão com onze ou doze anos e às vezes elas continuam a mergulhar até a casa dos sessenta anos.” “Mergulhar exige bem pouca força muscular, mas grande flexibilidade do corpo e muita resistência ao frio. “Assim, as mulheres são perfeitas para o 5 mergulho, hoje como ontem.” “O homem é um animal tecnológico e ao longo dos séculos criou muitos artefatos para complementar sua capacidade limitada de mergulhar e sua total incapacidade de respirar debaixo d'água.” Até a invenção do aqualung, os artefatos para se respira abaixo d'água tinham muitas desvantagens. Para que o ar fosse respirado na mesma pressão da superfície, o mergulhador precisava estar fechado numa carapaça, protegido da água e dos efeitos da pressão. Com a invenção da
bomba de ar comprimido, o homem podia se movimentar pelo leito do oceano a maiores profundidades e por períodos mais prolongados, mas ainda estava preso á embarcação na superfície por cabos e correntes; ainda era um animal acorrentado. A maioria dos projetos antigos, até mesmo os de Leonardo da Vinci, era fantasiosa demais, além de impraticáveis. Em 1715, por exemplo, John Lethbridge descreveu sua caixa de couro com cavas em que alegava ter descido a “dez braças muitas centenas de vezes” - um feito impossível. Em 1715, um inventor inglês, John Lethbridge, projetou este implausível aparato blindado para mergulhos. Alegou ter descido a dez braças no tanque lacrado centenas de vezes - um feito impossível. Teoricamente, os problemas de trabalhar debaixo d'água poderiam ser resolvidos por um traje de mergulho articulado. Os projetos antigos usavam pregas de couro como as de um acordeom para as articulações, mas sempre endureciam e encolhiam sob a pressão. O primeiro traje bem-sucedido, patenteado em 1913, combinava articulações de bilhas e esfera para 6 aumentar a flexibilidade. Não obstante, durante a primeira operação de resgate bem-sucedida em mar profundo (120 metros), em 1931, os mergulhadores logo abandonaram os trajes de mergulho. Em vez disso, sentaram-se em câmaras de mergulho e orientaram manipuladores baixando-os da
superfície para recuperar 95% do ouro transportado pelo S.S. Egypt. Artefato de Rouquayrol e Denayrouze. Quatro anos antes da publicação do clássico de Júlio Verne, Vinte Mil Léguas Submarinas, Benoît Rouquayrol e Auguste Denayrouze produziram um artefato que permitia ao mergulhador armazenar uma pequena quantidade de ar comprimido nas costas, desligar a mangueira de ar que o ligava à superfície e andar livre pelo leito do oceano. A liberdade era de curta duração e o sistema primitivo, mas esses primeiros passos foram dados em 1865. “A chave do artefato de Rouquayrol e Denayrouze era um regulador que ajudava a controlar o fluxo de ar do reservatório submarino para a boca do mergulhador.” "Houve outros passos, certos e errados, ao longo do caminho. Um deles foi o aparelho de respiração de oxigênio, inventado por Remi Fleuss em 1878. O sistema fornecia apenas oxigênio ao mergulhador e suas exalações eram filtradas através de um agente químico, a fim de expurgá-las do dióxido de carbono. Na segunda Guerra Mundial os homens-rã
usaram esse sistema, que provavelmente levou-os aos limites, descobrindo que o oxigênio puro sob pressão causa convulsões perigosas e que os mergulhos prolongados de 7 oxigênio só eram seguros perto da superfície, a uma profundidade não superior a sete metros.” “Dez anos depois, outro francês, George Cornheines, testou um regulador semi-automático, preso a um recipiente de ar comprimido. Era uma versão modificada do aparelho de respiração usado pelos bombeiros em atmosferas tóxicas. Infelizmente, Cornheines morreu num dos seus primeiros mergulhos. A esta altura, Emile Gagnan e eu já trabalhávamos em nosso aqualung totalmente automático, que fornecia ar sob demanda ao mergulhador, exatamente na pressão apropriada. Estávamos no limiar da verdadeira liberdade sob o mar.” "O aqualung é baseado no principio do sistema de respiração de circuito aberto, que permitia que o ar exalado escapasse para o oceano; trata-se de um desperdício de oxigênio, é claro, mas é apenas o preço da simplicidade e segurança.” “No sistema, os cilindros de ar comprimido são carregados nas costas. O ar passa do recipiente por uma válvula de controle, que baixa sua pressão para cerca de 7 kg / cm² acima da pressão ambiente. O ar passa em seguida pela válvula
de demanda, operada por uma membrana que é submetida, do exterior, à pressão da água ao redor. O ar no interior da membrana é logo igualado com a pressão hidrostática. Cada inalação exerce uma pequena depressão na superfície ampla da membrana, que atua como uma força multiplicadora e abre a válvula: o ar é fornecido ao mergulhador. Quando ele exala, a membrana torna a cair, uma mola fecha a válvula e o ar para de fluir. O ar exalado escapa livremente pela água, através de uma válvula de descarga só de saída, nunca se misturando com o ar a ser inalado. Um sistema de advertência simples alerta o mergulhador quando o suprimento de ar está baixo, com a garantia de uma reserva suficiente para o retorno à superfície.” "O equipamento de mergulho abriu a última fronteira do planeta à exploração de aventureiros, fotógrafos, executivos e donas-de-casa. O mundo dos peixes é agora o nosso mundo também. Desde a introdução do aqualung, o esporte da exploração submarina conquistou milhões de adeptos só nos Estados Unidos.
Mergulhar é um esporte desafiante, singular na medida em que combina o uso da habilidade e força com autocontrole e apreciação estética - exercício físico com oportunidades educacionais. Não há ninguém que mergulhe numa área de vida marinha abundante que possa resistir á necessidade de aprender mais sobre o novo mundo que contempla diante de seus olhos."  por Emile Gagnan e Jaques-Yves Cousteau. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seja Bem Vindo!
Agradecemos por visitar e ajudar a divulgar os ideais da OSCIP - ANJOS DAS ÁGUAS.