(IN: Cousteau, Jaques-Yves. O Mundo dos Oceanos)
"Os seres humanos estão prestes a voltar ao mar, como alguns mamíferos
fizeram há poucos milhões de anos, para se tornarem focas, toninhas e
baleias? Na ausência de drásticas mutações anatômicas e fisiológicas, é
bastante improvável. Nossa silhueta, membros, pulmões, coração, veias e
artérias; nossa gordura e fígado; nossos rins, pele, sangue - tudo teria de ser
modificado de maneira radical para que pudéssemos ficar submersos por
semanas ou meses a fio, sem morrer de exposição ao frio, sem perder a pele
ou ser compelido a voltar com uma freqüência excessiva à superfície em
busca de ar. Apesar da recente popularidade das atividades do mergulho, não
há qualquer indicação de que no grande esquema de evolução os homens
estejam programados para se tomar criaturas marinhas.”
“Contudo, à sua maneira, que é artificial, o homem está preparando seu
retorno ao mar.”
“Compensa a falta de gordura isolante pelo desenvolvimento de melhores
trajes de mergulho. Empenha-se para aperfeiçoar os equipamentos de
respiração e compreender a fisiologia do mergulho. Já passou um mês inteiro
em colônias submarinas. É o proprietário orgulhoso e usuário de dezenas de
submersíveis de exploração, já desceu em batiscafos além das profundezas
alcançadas pelos cachalotes. O homem não pode voar. E não pode mergulhar
muito bem. Mas conquistou o ar, a lua e a mais profunda fossa oceânica.”
“Os esforços do homem para penetrar no elemento estranho que acalentou
seus ancestrais remontam aos tempos mais antigos. Em portos do leste do
mediterrâneo, nas águas quentes do golfo Pérsico e Oceano Índico, em ilhas
dispersas do Pacífico, até mesmo nas águas geladas da Terra do Fogo, o
homem já mergulhava antes mesmo que houvesse escribas registrando seus
feitos. Esses mergulhadores primitivos eram ao mesmo tempo práticos e
místicos. Das águas misteriosas traziam alimentos e tesouros, além de
histórias fantásticas que mantiveram viva a mitologia - pérolas, corais e
histórias de monstros, esponjas e lendas de sereias.”
“Através do conhecimento empírico, esses pioneiros aperfeiçoaram o
mergulho nu, alcançando profundidades de 50 a 65 metros, em mergulhos
que duravam dois minutos, ás vezes mais. As técnicas eram transmitidas de
geração a geração. Foi somente no começo do século XX que a tecnologia e
a ciência puderam melhorar esses métodos e desenvolver o equipamento
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necessário para abrir todo um mundo novo ao homem. O progresso no
mergulho foi veloz e coincidiu com as explosões, demográfica e industrial.”
"Os primeiros mergulhos efetuados por homens ou seus ancestrais
antropóides foram provavelmente em busca de alimento.
No começo eles
recolhiam ostras ou mariscos na maré baixa, depois entraram no mar e foram
se aventurando cada vez mais fundo. Mais tarde, as conchas passaram a ser
usadas também como decoração. Figuram entre os artefatos mais antigos
encontrados pelos arqueólogos. Já em 4500 a.C. havia mergulhadores
recolhendo madrepérola, como se pode comprovar pelos ornamentos nas
paredes de Bismaya.”
“As façanhas mais bem registradas são as mediterrâneas, onde os gregos
recolheram esponjas desde tempos imemoriais. Aristóteles descreveu o valor
de esponjas a soldados que a usavam para amortecer as armaduras pesadas.”
“No século V a.C. dois famosos mergulhadores da antigüidade, Sília de
Sione e sua filha Ciana, mergulharam para cortar os cabos das âncoras dos
navios de guerra do rei persa Xerxes. Houve uma terrível tempestade, os
navios encalharam e afundaram. Sília e Ciana tornaram a mergulhar para
saquear os destroços.”
“Durante o sítio de Alexandre o Grande à Ilha-fortaleza de Tiro, em 332 a.C.
Os mergulhadores foram usados para destruir as defesas submersas dos
fenícios. Alexandre teria observado a operação, submergido num barril de
vidro ou sino de mergulho.”
“As japonesas figuram entre as mulheres mais liberadas do mundo em tudo
que se relaciona com o mar. As mergulhadoras amas operam na Coréia e
Japão há pelo menos 1.500 anos. Já foram pescadoras de pérolas, mas hoje as
trinta mil praticantes mergulham quase exclusivamente em busca de
alimentos. No passado, ambos os sexos empenhavam-se no mergulho, mas
hoje bem poucos homens praticam essa arte. Como as mulheres possuem
camadas adicionais de gordura por de baixo da pele, que as protegem dos
efeitos da água fria, os homens em sua maioria ficam relegados ao papel de
ajudá-las, tripulando os barcos.”
“Talvez mais importante do que a diferença fisiológica, no entanto, seja o
treinamento que as mulheres recebem. Podem começar quando estão com
onze ou doze anos e às vezes elas continuam a mergulhar até a casa dos
sessenta anos.”
“Mergulhar exige bem pouca força muscular, mas grande flexibilidade do
corpo e muita resistência ao frio. “Assim, as mulheres são perfeitas para o
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mergulho, hoje como ontem.”
“O homem é um animal tecnológico e ao longo dos séculos criou muitos
artefatos para complementar sua capacidade limitada de mergulhar e sua
total incapacidade de respirar debaixo d'água.”
Até a invenção do aqualung, os artefatos para se respira abaixo d'água
tinham muitas desvantagens. Para que o ar fosse respirado na mesma pressão
da superfície, o mergulhador precisava estar fechado numa carapaça,
protegido da água e dos efeitos da pressão. Com a invenção da
bomba de ar
comprimido, o homem podia se movimentar pelo leito do oceano a maiores
profundidades e por períodos mais prolongados, mas ainda estava preso á
embarcação na superfície por cabos e correntes; ainda era um animal
acorrentado.
A maioria dos projetos antigos, até mesmo os de Leonardo da Vinci, era
fantasiosa demais, além de impraticáveis. Em 1715, por exemplo, John
Lethbridge descreveu sua caixa de couro com cavas em que alegava ter
descido a “dez braças muitas centenas de vezes” - um feito impossível.
Em 1715, um inventor inglês, John Lethbridge, projetou este implausível aparato blindado
para mergulhos. Alegou ter descido a dez braças no tanque lacrado centenas de vezes - um
feito impossível.
Teoricamente, os problemas de trabalhar debaixo d'água poderiam ser
resolvidos por um traje de mergulho articulado. Os projetos antigos usavam
pregas de couro como as de um acordeom para as articulações, mas sempre
endureciam e encolhiam sob a pressão. O primeiro traje bem-sucedido,
patenteado em 1913, combinava articulações de bilhas e esfera para
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aumentar a flexibilidade. Não obstante, durante a primeira operação de
resgate bem-sucedida em mar profundo (120 metros), em 1931, os
mergulhadores logo abandonaram os trajes de mergulho. Em vez disso,
sentaram-se em câmaras de mergulho e orientaram manipuladores
baixando-os da
superfície para recuperar 95% do ouro transportado pelo S.S.
Egypt.
Artefato de Rouquayrol e Denayrouze.
Quatro anos antes da publicação do clássico de Júlio Verne, Vinte Mil
Léguas Submarinas, Benoît Rouquayrol e Auguste Denayrouze produziram
um artefato que permitia ao mergulhador armazenar uma pequena
quantidade de ar comprimido nas costas, desligar a mangueira de ar que o
ligava à superfície e andar livre pelo leito do oceano. A liberdade era de curta
duração e o sistema primitivo, mas esses primeiros passos foram dados em
1865. “A chave do artefato de Rouquayrol e Denayrouze era um regulador
que ajudava a controlar o fluxo de ar do reservatório submarino para a boca
do mergulhador.”
"Houve outros passos, certos e errados, ao longo do caminho. Um deles foi o
aparelho de respiração de oxigênio, inventado por Remi Fleuss em 1878. O
sistema fornecia apenas oxigênio ao mergulhador e suas exalações eram
filtradas através de um agente químico, a fim de expurgá-las do dióxido de
carbono. Na segunda Guerra Mundial os homens-rã
usaram esse sistema,
que provavelmente levou-os aos limites, descobrindo que o oxigênio puro
sob pressão causa convulsões perigosas e que os mergulhos prolongados de
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oxigênio só eram seguros perto da superfície, a uma profundidade não
superior a sete metros.”
“Dez anos depois, outro francês, George Cornheines, testou um regulador
semi-automático, preso a um recipiente de ar comprimido. Era uma versão
modificada do aparelho de respiração usado pelos bombeiros em atmosferas
tóxicas. Infelizmente, Cornheines morreu num dos seus primeiros
mergulhos. A esta altura, Emile Gagnan e eu já trabalhávamos em nosso
aqualung totalmente automático, que fornecia ar sob demanda ao
mergulhador, exatamente na pressão apropriada. Estávamos no limiar da
verdadeira liberdade sob o mar.”
"O aqualung é baseado no principio do sistema de respiração de circuito
aberto, que permitia que o ar exalado escapasse para o oceano; trata-se de um
desperdício de oxigênio, é claro, mas é apenas o preço da simplicidade e
segurança.”
“No sistema, os cilindros de ar comprimido são carregados nas costas. O ar
passa do recipiente por uma válvula de controle, que baixa sua pressão para
cerca de 7 kg / cm² acima da pressão ambiente. O ar passa em seguida pela
válvula
de demanda, operada por uma membrana que é submetida, do
exterior, à pressão da água ao redor. O ar no interior da membrana é logo
igualado com a pressão hidrostática. Cada inalação exerce uma pequena
depressão na superfície ampla da membrana, que atua como uma força
multiplicadora e abre a válvula: o ar é fornecido ao mergulhador. Quando ele
exala, a membrana torna a cair, uma mola fecha a válvula e o ar para de fluir.
O ar exalado escapa livremente pela água, através de uma válvula de
descarga só de saída, nunca se misturando com o ar a ser inalado. Um
sistema de advertência simples alerta o mergulhador quando o suprimento de
ar está baixo, com a garantia de uma reserva suficiente para o retorno à
superfície.”
"O equipamento de mergulho abriu a última fronteira do planeta à
exploração de aventureiros, fotógrafos, executivos e donas-de-casa. O
mundo dos peixes é agora o nosso mundo também. Desde a introdução do
aqualung, o esporte da exploração submarina conquistou milhões de adeptos
só nos Estados Unidos.
Mergulhar é um esporte desafiante, singular na
medida em que combina o uso da habilidade e força com autocontrole e
apreciação estética - exercício físico com oportunidades educacionais. Não
há ninguém que mergulhe numa área de vida marinha abundante que possa
resistir á necessidade de aprender mais sobre o novo mundo que contempla
diante de seus olhos." por Emile Gagnan e Jaques-Yves Cousteau.











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